A Justiça brasileira terminou 2024 com 80 milhões de processos pendentes de julgamento, um número que revela sobrecarga estrutural, desigualdade regional e gargalos operacionais que se arrastam há anos. Para enfrentar esse acúmulo, o CNJ (Conselho Nacional de Justiça) aprovou em março um marco regulatório que permite o uso de inteligência artificial generativa para apoiar magistrados e acelerar andamento de processos — com limites bem definidos.
O Judiciário brasileiro tinha 80.103.226 processos pendentes no fim de 2024. Desses, mais de 62,4 milhões são considerados pendentes líquidos, ou seja, excluídos, suspensos ou arquivados provisoriamente. Outros 4,1 milhões de processos estão sem decisão há mais de 15 anos, cerca de 5% do total.
Apesar do volume, a fila andou e mais processos foram julgados do que abertos. Foram 43,9 milhões de processos analisados, contra 38,7 milhões de entradas. Isso se refletiu no Índice de Atendimento à Demanda, que atingiu 113,22%, e numa redução na quantidade de processos pendentes — em queda desde o pico de 2023, quando havia 85,2 milhões.
Um processo pendente leva, em média, 1.465 dias (quase 4 anos) para ser resolvido. Dados do CNJ mostram que o tempo médio do processo pendente líquido é de 1.150 dias. Já o tempo médio entre a entrada do processo e o primeiro julgamento é de 871 dias.
A Justiça estadual concentra a maior parte dos processo e tem tempo médio de 1.512 dias. É o mais alto nos graus do Judiciário. A 1ª instância concentra a maioria dos pendentes: 61,7 milhões, seguido pelos juizados especiais (10,8 milhões) e o 2º grau (4,8 milhões). Ao todo, são 61,6 milhões de casos na Justiça estadual contra 11,8 milhões na Justiça Federal e 5,1 milhões na do Trabalho.
Lentidão vem de conjunto de fatores que vão muito além da falta de juízes. Há déficit de pessoal em alguns estados e concentração excessiva de processos em outros, falhas na digitalização, falta de comunicação entre os sistemas e entraves burocráticos.
Litigância predatória também ajuda a inflar as estatísticas.Escritórios ajuízam milhares de ações repetitivas em diversos fóruns, com variações mínimas nos pedidos, para "tentar capturar decisões favoráveis em alguma vara", explica a juíza Paula Navarro, assessora da presidência do TJSP. O TJSP criou núcleos específicos de combate a esse tipo de prática e firmou convênios com municípios para evitar o ajuizamento automático de execuções fiscais de pequeno valor.
Há dificuldades de padronização e saneamento de dados. "Temos processos de décadas atrás que já estão resolvidos, mas ainda constam como ativos na base. Isso eleva artificialmente o tempo médio de tramitação", disse Navarro. "Estamos migrando de sistema, um processo que deve durar 5 anos. Só assim poderemos ter automações mais robustas e integração com o DataJud". Enquanto isso, o tribunal faz mutirão interno para limpar a base de dados e retirar da estatística processos que já deveriam estar arquivados.