A Policia Federal indiciou nesta quinta-feira (21) o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), o general Braga Netto (PL) e mais 35 pessoas sob suspeita dos crimes de abolição violenta do Estado democrático de Direito, golpe de Estado e organização criminosa.
O relatório da investigação de 884 páginas foi enviado ao STF (Supremo Tribunal Federal). O documento está nas mãos do ministro Alexandre de Moraes sob sigilo e, segundo a Corte, o ministro deve encaminhar para PGR (Procuradoria-Geral da República) na próxima semana.
Pela primeira vez, um ex-presidente eleito no período democrático é indiciado como responsável por tramar contra a democracia no país. A reportagem tenta contato com a defesa dos indiciados (leia mais abaixo). Ao UOL, a assessoria de Alexandre Ramagem (PL) e a defesa do general Augusto Heleno disseram que não irão se manifestar sobre o tema.
As investigações apontaram que os indiciados se estruturaram por divisão de tarefas. Isso teria permitido a "individualização das condutas e a constatação da existência de grupos", segundo a PF.
Entre os grupos está o de desinformação e ataques ao sistema eleitoral e outro responsável por "incitar militares a aderirem golpe de Estado". Há também o núcleo jurídico, o operacional de apoio às ações golpistas, núcleo de inteligência paralela e núcleo operacional para cumprimento de medidas coercitivas.
Veja a lista:
Bolsonaro atacou Moraes ao dizer que o ministro "faz tudo o que não diz a lei". "O ministro Alexandre de Moraes conduz todo o inquérito, ajusta depoimentos, prende sem denúncia, faz pesca probatória e tem uma assessoria bastante criativa", em entrevista ao Metrópoles.
O ex-presidente afirmou que vai esperar o advogado ver o indiciamento da PF. "Não posso esperar nada de uma equipe que usa a criatividade para me denunciar."
A defesa de Braga Netto disse repudiar a "indevida difusão" dos inquéritos à imprensa em detrimento do "devido acesso às partes". "A defesa aguardará o recebimento oficial dos elementos informativos para adotar um posicionamento formal e fundamentado", afirma nota assinada pelos advogados Luís Henrique César Prata, Gabriella Leonel de S. Venâncio e Francisco Eslei de Lima.
O advogado de Tércio Arnaud Tomaz e de Marcelo Câmara diz que discorda do indiciamento. Em nota divulgada à imprensa, a defesa dos indiciados afirmou confiar na "atuação isenta, técnica e guiada pela busca da verdade" do Ministério Público. O texto é assinado por Luiz Eduardo de Almeida Santos Kuntz.
Paulo Figueiredo afirmou se sentir honrado com o indiciado, que classificou como uma "campanha de intimidação". "Tenho plena confiança de que os Estados Unidos, sob uma nova administração que valoriza a liberdade, tratarão esses acontecimentos com a gravidade que merecem".
A Procuradoria-Geral da República vai analisar tudo o que foi levantado pela PF. A expectativa é que o procurador-geral, Paulo Gonet, só apresente a denúncia em 2025, devido ao grande volume de informações do inquérito e à complexidade do caso.
Investigação reuniu mensagens de celular, vídeos, gravações, depoimentos da delação premiada de Mauro Cid e um conjunto de documentos. Em quase dois anos, a equipe da Diretoria de Inteligência da Polícia Federal reuniu elementos, que incluem a minuta de um decreto golpista para decretar "Estado de sítio" no TSE (Tribunal Superior Eleitoral) e o vídeo de uma reunião ministerial de Bolsonaro na qual o então presidente chega a afirmar que era necessário agir antes das eleições.
Se a gente reagir depois das eleições, vai ter um caos no Brasil, vai virar uma grande guerrilha, uma fogueira no Brasil.
Jair Bolsonaro durante reunião
A PF também recuperou diálogos com teor golpista e ouviu relatos que confirmam delação de Mauro Cid. Comandantes do Exército e da Aeronáutica no governo Bolsonaro afirmaram à PF que o presidente chegou a apresentar a eles a minuta golpista e que somente o então comandante da Marinha, Almir Garnier, teria indicado que apoiaria a iniciativa. Intimado a depor sobre o episódio na PF, Garnier silenciou.
Trama incluía até plano de assassinato de Lula, Alckmin e Moraes.Estratégia detalhada foi encontrada no HD do general da reserva Mario Fernandes, um dos presos da operação da PF na terça (19) que investigava a tentativa de militares de matar os políticos.
O documento encontrado pela PF falava abertamente em assassinar o presidente e o vice eleitos. Além disso, o texto traçava cenários de reação popular e de riscos e a lista de possíveis armamentos a serem utilizados para alvejar inclusive o ministro do STF.
Investigação também aponta que auxiliares de Bolsonaro ajudaram a difundir ataques às urnas. Para a Polícia Federal, a estratégia de questionar a legitimidade da disputa eleitoral fazia parte da estratégia dos militares na trama golpista.
Bolsonaro responde por crimes que podem chegar a 23 anos de prisão. A PF indiciou o presidente por tentativa de abolir o Estado Democrático de Direito (4 a 8 anos de prisão), tentativa de golpe de Estado (4 a 12 anos) e associação criminosa (1 a 3 anos).
Caso o ex-presidente seja condenado à pena máxima, ele pode, em tese, sair da cadeia após cumprir cerca de 3 anos e 10 meses. Isso, porque, a lei permite progressão de regime após conclusão de 1/6 da pena.
Bolsonaro perdeu as eleições para Lula (PT) em 2022. Ao longo da campanha e depois da derrota, o ex-presidente fez declarações antidemocráticas e contra o sistema eleitoral. O TSE decidiu por sua inelegibilidade por uma reunião com embaixadores por também atacar, sem provas, a credibilidade do sistema eleitoral. O encontro foi transmitido pela estatal TV Brasil.