O acúmulo de diferentes programas de transferência de renda, como o Bolsa Família e outros dos Estados e das cidades, pode fazer com que uma família pobre com 5 integrantes (que omitam vínculos e não declarem estar vivendo no mesmo endereço) receba até R$ 3.578,50 por mês, sem precisar trabalhar. Seria uma renda irregular, só que a fraude é difícil de ser identificada por operações pente-fino aplicadas de tempos em tempos pelas autoridades. Os detalhes sobre esse tipo de situação estão explicados mais abaixo neste post.
Se a mesma família de 5 pessoas declarar que os seus integrantes têm vínculos entre si e moram no mesmo lugar, a renda básica ficará em até R$ 1.763,50 por mês. Ou seja, R$ 353 para cada 1 dos integrantes desse núcleo familiar. O valor é pago de forma 100% regular e supera o do salário mínimo, que é de R$ 1.412,00. Em 2025, o mínimo vai a R$ 1.509,00 e ainda será menor do que o dos benefícios sociais.
Essa situação de receber R$ 1.763,50 em benefícios foi calculada para uma família hipotética em Goiás que estaria apta a receber todos os auxílios do Estado e da União. Goiás é a unidade da Federação com o maior valor somado de programas de transferência de renda.
Os 5 integrantes dessa família hipotética em teoria não trabalham no mercado formal. Alguns podem fazer serviços eventuais, sem registro em Carteira de Trabalho, e aí aumentar esse valor ao longo do mês –e tudo sem contribuir para a Previdência Social.
O valor R$ 1.763,50 se refere à seguinte situação:
Para ter a situação acima é necessário que a família pobre de Goiás tenha um integrante de 60 a 64 anos, outro cursando o Ensino Médio e uma criança na faixa etária de 0 a 6 anos, além do casal que comanda esse núcleo familiar.
Famílias mais numerosas receberiam valor superior de Bolsa Família (o programa paga R$ 142 por integrante) e também mais benefícios estaduais, mas a cifra total do benefício ficaria também mais diluída entre os integrantes desse núcleo.
Outros programas
Há outros programas e auxílios do governo federal e de governos estaduais e municipais que podem ou não ser acumulados com o Bolsa Família.
Eis um resumo dos programas federais de transferência de renda:
Bolsa Família com outros programas
Do ponto de vista individual, o maior dos auxílios federais é o BPC (Benefício de Prestação Continuada), que oferece um salário mínimo mensal.
É possível ter na mesma família beneficiário de BPC e de Bolsa Família. Neste caso, porém, seria necessário que grupo tivesse ao menos 7 pessoas sem nenhuma renda.
Isso porque uma das condições para se receber o Bolsa Família é ter uma renda familiar por pessoa inferior a R$ 218. Como o BPC entra nessa conta, normalmente ele faz com que a família fique inelegível para Bolsa Família.
Situação semelhante acontece com o Seguro Defeso, que também não é pago a quem recebe BPC.
O governo federal faz verificação periódica de cadastros para que não haja acúmulo indevido de benefícios. Há também um pente-fino mais detalhado em curso, em que estão sendo encontradas situações de pagamento indevido de benefícios a famílias.
Foram excluídas em 2023, por exemplo, 1,7 milhão de famílias formalmente compostas por apenas um integrante e que se entendeu não se tratar de um núcleo familiar verdadeiro.
Essa situação aumentou bastante depois que o governo Bolsonaro afrouxou os critérios para entrada no programa, então chamado Auxílio Brasil, às vésperas das eleições de 2022 –e mesmo antes, durante a pandemia de coronavírus (em 2020 e 2021), quando entendeu-se ser necessário oferecer algum dinheiro para pessoas mais pobres que viviam de bicos e ficaram sem renda por causa do fechamento de vários setores da economia.
Em uma situação hipotética, uma família de 5 integrantes de Goiás que consiga burlar esses controles poderia chegar a R$ 3.578,50 de renda mensal. Ou seja, seriam R$ 715,70 por integrante, o dobro do valor regular mostrado no início deste texto.
Para isso, seria necessário que:
Essa situação de burla dos critérios para receber os benefícios sociais é um dos maiores desafios que qualquer governo enfrenta. A administração federal do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tenta fazer um pente-fino para combater fraudes. Em 2025, espera reduzir em R$ 25,9 bilhões as despesas por meio de reavaliação desses e de outros benefícios.
Sistemas muito complexos de pagamentos de benefícios para pessoas pobres remetem a uma frase sempre atribuída à antropóloga Ruth Cardoso (1930-2008), que foi primeira-dama do Brasil durante o governo de Fernando Henrique Cardoso (PSDB), de 1995 a 2002, e comandou o programa Comunidade Solidária.
Ruth costumava criticar a ineficiência do Estado para controlar a distribuição de verbas aos mais pobres em alguns programas sociais. Dizia que às vezes poderia ser melhor jogar “dinheiro de helicóptero” em uma comunidade carente e deixar a população pegar os recursos diretamente, sem intermediários. E que o custo da burocracia para controlar a distribuição do dinheiro para os mais pobres não conseguia evitar os desvios recorrentes.
O termo “dinheiro de helicóptero” foi popularizado pelo prêmio Nobel de Economia Milton Friedman (1912-2006) no seu célebre artigo “The Optimum Quantity of Money”, de 1969. Naquele momento, Friedman argumentava que, hipoteticamente, a melhor forma de um Banco Central estimular a economia seria distribuir dinheiro diretamente a pessoas que poderiam gastá-lo e aumentar a atividade econômica. Depois de ser popularizado por Friedman, o termo foi usado com diferentes sentidos por diferentes economistas.
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